Sobre Voltar pra Casa e a Quarentena
Não sei mais há quantos dias estou dentro de casa. Antes mesmo de começar a quarentena, eu já estava dentro de casa. E eu estou bem. A cada dia estou melhor, para ser bem honesta. Mas, antes que você me julgue, preciso contar algo: eu sou tímida e introvertida. Você deve estar pensando: tá, conta outra!
É a pura verdade. Por trás da máscara da persona pública, há uma pessoa que precisa de longos silêncios, de retiro e solidão. Há alguém que precisa observar o tempo das coisas, das flores, dos animais. Alguém que precisa ler e refletir, ouvir música clássica, ficar horas na frente de um quadro ou de uma escultura, apreciando a expressão da Luz (divina) em forma de arte.
Eu preciso do silêncio da minha casa, da sensação de proteção e acolhimento que ela me dá, para poder ouvir pensamentos e autojulgamentos que nem sempre são benevolentes comigo. Eu censuro muitas das minhas escolhas do passado. Muitas vezes me acho incapaz e impostora como qualquer pessoa. Mas, no silêncio da minha casa, eu arrumo cada cômodo, limpo cada canto e fico em paz. Enquanto limpo e arrumo a casa física que me protege, eu limpo e arrumo meus pensamentos, faço uma reconciliação com meu passado, com minhas escolhas. Aos poucos, me conheço melhor.
Revivendo mentalmente as cinzeladas, o peso do martelo sobre minha matéria prima, recordando certos momentos, posso me conhecer e reconhecer a imagem. Ver a minha verdadeira imagem no espelho não é fácil, pois, ao contrário de Dorian Gray, eu não escondo meu lado sombrio de mim mesma. Eu olho de frente e nem sempre é fácil.
Talvez seja por isso que a quarentena não me assuste, não me deixe ansiosa. Eu já estou em casa.