UX Writing – O que o futuro reserva
A chegada de algo novo ao nosso campo de atuação não necessariamente descarta o que usávamos anteriormente. Pensando em termos cognitivos, impossível entender o novo sem as experiências passadas, e não estou falando isso somente em termos de percepção, mas em termos de processos. Os botões que apertamos nas telas são gestos conhecidos para serem executados em objetos reconhecidos e que sabemos que dão suporte a esse tipo de ação. Sim, estou falando de affordances.
No caso específico do texto, Lev Manovich fez algumas perguntas importantes para nortear seu livro A Linguagem das Novas Mídias (2001): Quais convenções das antigas mídias nós usamos nas novas mídias? Quais são as formas em que as novas mídias se apoiam em formatos anteriores e de que forma os novos formatos modificam ou rompem com o anterior? Quais são as características únicas das novas mídias que criam a sensação de nova realidade?
Em 1996, Michael D. Korolenko escreveu um livro brilhante, mas pouco conhecido, Writing for New Media: A Guide and Sourcebook for the Digital Writer. Neste livro ele analisa o papel do profissional de novas mídias sobre a perspectiva da época, quando ainda estávamos na transição da TV e do papel para o digital.
Nas duas obras, a de Lev Manovich e a de Korolenko, fica claro que não há como abandonar o conhecimento anterior, mas que é obrigatório entender o novo meio, usando o que há de mais poderoso nele, para poder comunicar o que desejamos.
Como o objetivo deste artigo é falar sobre textos, vou concentrar meus esforços neste tópico, e deixar para discutir o uso de texto, imagem, vídeo e toda a parafernália multimídia para um outro momento.
Importante ressaltar que vou concentrar meu artigo nas seguintes atividades: conteúdo ou escrita de textos para compor uma página, diálogos para sistemas que automatizam menus, e roteiros e/ou diálogos para interações por voz.
Meios Digitais Exigem Conhecimento da Língua
Escrever bem não é fácil. É preciso domínio de um vasto vocabulário, entender o seu estilo como escritor, saber quais são as intenções da empresa que contrata seus serviços e quais as características do público que predomina em sua audiência, pois estas duas últimas irão determinar escolhas importantes relacionadas ao texto.
Mas se escrever textos é um desafio, escrever roteiros para diálogos automatizados é ainda mais desafiador. Boa parte do desafio está em encontrar o equilíbrio entre a norma culta da língua e a informalidade, cercada de erros de Português por todos os lados, da língua falada.
Quando se trata de produtos, acertar o tom “editorial” correto para o público fica mais complicado, pois na fala, quem fala identifica visualmente seu interlocutor e, a partir da identificação do perfil, adapta ou usa um vocabulário mais apropriado. Quando vou falar com um professor universitário, por exemplo, procuro falar o meu melhor e mais claro português, mas quando converso com pessoas relacionadas a negócios, usualmente faço uma mistura de termos em português e inglês, pois a língua de negócios é o inglês e fim de conversa. Uma máquina não tem esse privilégio e a chance de errar é enorme. Eu não gosto de “extrema informalidade” nos menus de bancos, por exemplo, pois junto com isso vem os tais erros de português. Os erros sempre me deixam na dúvida: o erro foi proposital ou é ignorância da norma culta mesmo? De qualquer forma, quem sofre com a minha dúvida é a marca que contratou o serviço e quem perde meu respeito foi quem aprovou o que a agência fez.
Web e Consumo de Informação
Na web, boa parte do trabalho de um UX Writer concentra-se no texto. Mas seria simplista demais se o trabalho fosse apenas escrever um texto. Obviamente o trabalho muda muito em forma e volume dependendo do produto e da intenção. Você quer informar ou quer vender? São informações do tipo características técnicas ou é uma reportagem? Muito diferente, correto? Se seu trabalho compõe uma página, há fotos e vídeos relacionados, portanto, o conjunto tem que fazer sentido, e fotos e vídeos são Conteúdo, pelo ponto de vista da Análise Heurística.
Na web, diferente de mobile, é ligeiramente mais confortável ler textos longos. Ainda assim, mesmo com todos os avanços da tecnologia, os displays são menos confortáveis que um e-readers ou papel, e as pessoas leem por menos tempo, usualmente desatentas ou cercadas de distrações, o que torna o desafio de comunicar bem maior!
Uma das coisas mais importantes de notar é que o trabalho do UX Writer não começa quando o protótipo termina ou está em Média Fidelidade. Um UX Writer deveria estar desde o começo do projeto, exatamente como acontece no caso de criação de diálogos de voz.
Entender o que faz essa empresa, quem são seus concorrentes, assimilar o tom da marca e participar das reuniões onde se decide os objetivos do projeto ao esse repensar do conteúdo são coisas fundamentais. Lembro que as pesquisas são de suma importância! Se não existirem registros: gravações, imagens, e se você é responsável pelo projeto, saia fazendo pesquisa, observe pessoas consumindo esse produto (seja de longe ou entrevistando mesmo)! Fazer o trabalho sem esse tipo de informação é viajar sem destino certo.
Esse é um trabalho que requer, além do seu conhecimento como jornalista, de conhecimento de características do negócio, de seu vocabulário interno e de como os usuários/clientes usam palavras, ligam uma ideia a outra. Sem esse modelo mental, entender as ligações entre ideias fica mais difícil, porque uma coisa é a lógica da empresa e outra é de quem consome. O ponto de vista da empresa ainda é por departamentos e seus processos. O vocabulário é técnico e muitas vezes está relacionado a processos internos. Eu não sei o que é VW2 – DT 1234, mas sei o que é um eixo ou pelo menos tenho uma ideia.
Algo para lembrar com carinho é que textos despertam nossa memória e imaginação, portanto, ao criar um texto, é sempre bom criar o labirinto ad hipermídia, ligando ideias e textos como deve ser. Isso requer uma enorme sensibilidade com relação ao que cada conteúdo e palavra despertam no leitor. É preciso conhecê-lo para colocar-se no lugar dele, mas é preciso também sugerir ligações que essa pessoa talvez nem perceba. Nem tudo deve ser deixado ao acaso, como dever do menu ou da busca, pois parte da navegação pode e deve ocorrer pelo texto.
Sei bem que um dos medos é perder o usuário em meio a janelas abertas, mas um escritor só perde um usuário que não estava destinado a acabar de ler o texto. Não é só uma questão de distrair ou não, mas de dar motivos para terminar a leitura.
No caso do mobile, ler longos textos é desafiador, não só pelo tamanho do display e das letras, mas pela quantidade de estímulos vindos do contexto, tornando o momento de foco na leitura ainda mais curto. O meio exige aquele tom de manchete! Uma primeira linha com tudo o que o cérebro do leitor precisa para fazer ou pensar o que você precisa comunicar.
Um totem oferece como vantagem o apoio de imagens e ícones (pode ser uma desvantagem, mas vamos focar no positivo), mas obriga todo profissional a pensar em diálogos dentro das restrições do sistema. Numa URA, onde as árvores de diálogo ainda são bastante restritas, quando você não acha a opção que deseja, ou aperta o 9 para falar com o atendente ou aperta 0 (zero) para voltar ao menu anterior, porque essa é a restrição do sistema.
Menus Automatizados e Diálogos de ChatBots
Algumas dessas URAs são personalizáveis. Podemos colocar vozes gravadas, escolher diálogos mais humanizados. E o tal do humanizado tende ao infantilizado ou vem cheio de erros de português “porque é assim que as pessoas falam”. Verdadeiro show de horror e um assassinato da língua!
No caso dos chatbots, prever toda a árvore de decisão ou possíveis diálogos é onde reside o que diferencia um bom ou mau sistema. Claro que nem sempre somos capazes de prever todas as possibilidades, e se o sistema for criado para aceitar o erro e corrigi-lo rapidamente, tanto melhor.
O desafio de quem desenha esses diálogos para chatbots está em: 1) Encontrar o tom certo de voz desse personagem que fala, 2) Prever as possibilidades, 3) Antecipar situações de exceção e criar um sistema de correção/solução do problema com a maior rapidez e transparência possível, 4) Entregar uma experiência de diálogo que alinhe a percepção desenhada de marca com a experiência vivida através da interação com o chatbot. Tudo isso sem esquecer do bom português.
Mais uma vez, o que mais tenho visto é a opção por diálogos que pretendem imitar o lado descontraído da conversa humana e os erros que naturalmente advém da fala em português “brasileiro”. O resultado que eu observo é um desastroso mix de erros de português numa fala quase infantil. Lamento, mas eu sei que estou falando com um bot! A rapidez da resposta, a forma de construir frases e o fato de eu perceber que os diálogos vêm preparados faz com que minha expectativa seja de algo mais correto, mais formal. Qualquer outra coisa parece forçada e, de certa forma, errada.
Humanos adaptam todo seu vocabulário para conversar com diferentes tipos de pessoas. Se eu vou falar com alguém mais educado que eu em algum assunto, adapto não só o vocabulário, mas a forma de apresentar as coisas. Quem nunca foi falar com um chefe reconhecido por ser um homem de números e apareceu na sala dele com uma planilha, não é? Até porque se você fizer diferente, ele nem vai prestar atenção. Chatbots não conseguem fazer isso tão bem (ao menos em 2020) e nem se espera isso deles. Pergunto: qual a razão de colocar erros de português na fala do bot? Qual a razão de ser “engraçadinho”, “descoladinho”, se eu sei que estou falando com um bot?
O Algoritmo Que Sabe Demais
Enquanto muitos UX Writer se preocupam em ter seu trabalho reconhecido, o título do cargo correto e a descrição de cargo perfeita há um fenômeno acontecendo: textos sendo criados por algoritmos e Inteligência Artificial. Textos precisos e gramaticalmente corretos que aparecem com o passe de mágica na sua tela, pois o algoritmo prevê sua forma de escrever, sua escolha de palavras.
Smart Compose é um feature do Google, e foi introduzido em Maio de 2018, portanto, já faz um tempinho. Considerando que cerca de um quinto da população humana usa o Gmail, uma boa parte da humanidade já não está escrevendo parte dos seus e-mails. É uma outra entidade!
Isso ocorre com uma precisão assustadora, pois o algoritmo baseia-se não só no que escrevemos corriqueiramente em nossos textos, mas é ponderado em relação ao que outras pessoas escrevem e palavras que escolhem.
A ideia de criar esse atributo dentro do Gmail nasceu do fato de boa parte dos códigos em programação, serem longas sequências idênticas e por existir evidência de que 25% do trabalho de uma pessoa num escritório consistem em escrever e-mails, pareceu lógico usar a mesma tecnologia para as duas situações.
O resultado tem sido no mínimo surpreendente para quem usa. Há momentos em que a máquina parece saber mais e sabe fazer melhor que alguém bem treinado para isso. Mas o texto é uma expressão do pensar, portanto, a máquina está aprendendo como (em termos de forma, pelo menos) nós pensamos.
Smart Reply, algo que vemos nas opções de respostas oferecidas no LinkedIn, por exemplo, gera uma outra interferência nas relações humanas: o responder sem pensar, de forma automática e minimalista: Valeu, OK, e Entendi. Simples e direto, sem margem para interpretação e sem sentimento. Pressionados pela enorme quantidade de tarefas, as respostas automatizadas são uma excelente opção, mas não carregam energia vital.
Em Fevereiro de 2019, a Open AI decidiu não lançar comercialmente sua própria versão de A.I. Writer, por ser boa demais e, por isso, ser assustadora. A reação ao GPT-2, esse super escritor artificial, foi violenta e cheia de críticas negativas. A verdade é que a tecnologia existe e só não iremos usá-la agora por medo ou porque alguém viu melhor serventia. O algoritmo da OpenAI hoje é o melhor estrategista de jogos conhecido e vence times de humanos com facilidade.
Assim como os robots da Boston Dynamics me assustam, respostas automatizadas e textos que eu não escrevo me dão um certo temor, como se os tempos de “Terminator” estivessem bem próximos. O importante desta conversa é que, enquanto alguns ainda estão tentando achar seu lugar no mercado de trabalho, as máquinas parecem ter se tornado espertas o bastante para, num futuro bem próximo, ocupar seu lugar como UX Writer.
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