Testes de Usabilidade – vendendo a ideia
Testes de usabilidade tornaram-se bastante conhecidos desde 1994, com o surgimento da web, mas a verdade é que sempre me surpreendo com a quantidade de profissionais que desconhecem a prática saudável de testar seus produtos digitais antes de lançar ou entender os resultados (normalmente ruins) obtidos por suas interfaces. É bom saber que ainda há muito para ensinar e prestar consultoria, mas não tem como não se surpreender.
Entendo que profissionais iniciantes em programação não conheçam essa prática, pois seu maior desafio está em fazer linhas de código livres de erros. Olhar para o usuário só poderá ser possível depois de ter lidado bem com o código.
Os profissionais de marketing, por outro lado, parecem absorver melhor esta prática de pesquisa, mas só dão importância para os testes quando os resultados não aparecem. Algumas empresas são mais cuidadosas, portanto, não é possível generalizar como no passado, mas, ainda assim, um grupo significativo de empresas dá pouca importância a essa aproximação com o usuário. Se for uma empresa onde há predominância de engenheiros, programadores, os números irão falar mais alto e todas as soluções serão orientadas por resultados melhores ou piores. Saberão o que ocorre, mas não por qual razão. Resultado: um longo caminho de erro e acerto (caso tudo seja manual) ou uma decisão baseada no algoritmo, e é isso.
No caso das startups, entendo que raramente há verba suficiente para algo além de um protótipo ou MVP, ambos cheios de erros, mas persistir nisso após o aporte de capital é perder tempo de fazer ajustes que darão resultados positivos em termos financeiros.
Testes durante o Desenvolvimento de Novos Produtos Digitais
Felizmente as empresas que buscam inovar e muitos dos profissionais do mercado estão cientes do método de desenvolvimento de novas propostas realizadas por profissionais de UX. Fazemos pesquisa, escolhemos a melhor oportunidade e corremos atrás de fazer e testar protótipos em diferentes níveis de maturidade.
Por essa razão, desde o momento que os primeiros conceitos são criados, há (ou deveria haver) testes junto a usuários e um amplo diálogo com os envolvidos no projeto: marketing, TI – programadores e infraestrutura. Não tem como excluir esse pessoal da conversa, pois cada decisão tomada tem uma implicação: algumas ideias são lindas, mas impossíveis de implementar com a tecnologia existente na empresa, outras são caras ou ainda demoradas demais.
Há testes de usabilidade em protótipos em média fidelidade e antes de aprovar o de Alta Fidelidade. Em cada um desses pontos é importante ouvir o ponto de vista do usuário, pois o nosso envolvimento com as ideias não nos permite ver suas fraquezas. Além disso, o usuário típico do seu produto pode ter características diferentes das suas.
Recomenda-se que Protótipos em Média Fidelidade já tenham conteúdo similar ao que será usado no produto final, pois esse momento de teste é um dos mais cruciais. O passo seguinte, protótipo em alta, só pode ser dado se o usuário aprovar toda a lógica da interface: interações, design, conteúdo, arquitetura de informação. O protótipo em Alta é caro demais para desenvolver e ter que ser refeito!
Os Desafios de Conseguir a Aprovação para os Testes
Creio que há inúmeros desafios para conseguir aprovar uma verba para realizar os testes, quando o produto digital já existe. São eles (numa lista não exaustiva):
- Ninguém sabe do que você está falando – boa parte das decisões está nas mãos de diretores ou gerentes que desconhecem UX e seus métodos para ajustar ou criar interfaces. Por isso, é importante que seu discurso de UX se ajuste ao que o seu interlocutor precisa aprender e entende como valioso: UX é uma área do conhecimento que ajuda empresas a faturar mais com os clientes que já tem, perder menos oportunidades quando faz publicidade e consegue trazer pessoas para a interface, melhora a percepção de marca e diminui custos. Got it?
- A empresa já tem o Analytics e outras ferramentas para medir resultados – O principal argumento para fazer os Testes é aprender a ver o seu produto pelos olhos do usuário. Com o analytics eu saberei o que houve, posso supor as razões, mas nunca terei a opinião, verei o ponto de vista e saberei das limitações do usuário. Muitos CIOs e CMOs ficam surpresos com os resultados dos Testes. Vale a pena mostrar Testes e resultados obtidos em outros clientes.
- Questionam o método – Boa parte da direção é educada para avaliar números, e o Teste de Usabilidade, por mais que siga rigorosamente o método científico, é um teste qualitativo. Sim, tem respaldo estatístico para determinar o número de usuários participantes do teste e tem toda uma técnica para avaliar situações diferentes: velocidade de execução da tarefa, capacidade de completar a tarefa, observação de erros, entre outras questões. Mas você será questionado, desafiado e vai ter que se munir de dados, gráficos, trabalhos científicos e tudo o que puder para aplacar as dúvidas que inevitavelmente vão surgir.
- Parece caro – Quando se trata de pesquisa, o cliente nunca tem budget! Só quando tudo deu errado, quando os números não saem do vermelho, quando todas as ideias de como corrigir acabaram é que as empresas se voltam para UX. OK, você pode achar que eu estou exagerando, mas você pode perguntar a quantos consultores quiser e a resposta vai ser: o cliente precisa estar muito preocupado com os números ou demorou para se convencer que um teste de usabilidade poderia ser a saída. Como praxe, uso os números do próprio cliente para justificar o teste. Pergunto: e se o seu bounce rate diminuísse de 80% para 50%, quanto vc poderia ganhar? Abordagens de negócios em UX não são comuns, mas deveriam ser, pois facilitam o diálogo.
- Toma tempo – Um Teste de Usabilidade demora, no mínimo, 30 dias para ser concluído de ponta a ponta. Estou falando em 20 + ou – 2 dias úteis. A principal razão de tomar esse tempo é o recrutamento. Se o cliente conseguir ajudar o consultor a ter acesso aos clientes com maior rapidez, o tempo diminui. Outra forma de encurtar o tempo é criar um relatório de Quick Wins ou Ganhos Rápidos para ser entregue em até 2 dias após o término das entrevistas. Esse tipo de entrega tira a sensação de “tempo perdido” e, por ter maior objetividade na solução de problemas, mostra valor rapidamente. Vale o esforço!
- Decidir quem vai liderar o projeto e quem vai estar envolvido é um problema – Um dos grandes desafios do consultor é lidar com a política das empresas. Já me aconteceu de ser terceirizada da Agência e atender o marketing, e TI ficar bem aborrecido por não liderar o processo. Já aconteceu de TI pedir o teste só para poder mostrar que marketing tinha aprovado coisas que não ajudavam o usuário. Enfim, um pouco de tudo ao longo desses quase 40 anos de profissão, 25 só de Digital. O que eu aprendi? Tem que chamar todo mundo para a mesa de reunião. OK, alguém vai pagar pelo projeto, mas todos tem que ser envolvidos ou vai dar caca. O maior problema de boa parte dos projetos é a disputa de egos, saber quem tem razão, essas coisas. Convença a todos que o que mais importa é a concorrência, é não atingir metas e é não ganhar o bônus. O inimigo não é o outro departamento, o inimigo é o concorrente capaz de entregar melhores experiências que as suas!!
Estágios do Processo de Venda
Não importa o quão experiente você seja, ou qual sua reputação como consultor, a aceitação e venda de um projeto vai depender da maturidade da empresa e de seus dirigentes. A avaliação do seu trabalho depende do quanto você entende a dificuldade que quem contratou seus serviços em convencer os demais membros da mesa de reunião a abraçar essa empreitada.
Por último, sua reputação vai depender de sua capacidade de entender do contexto político do seu interlocutor interno e de sua capacidade de implementar o projeto. Essa última parte é a mais difícil de medir e obter resultados reais.
Minha experiência diz que raramente os clientes conseguem implementar todas as mudanças propostas nas recomendações, e não importa se sua empresa entregou um protótipo que traduz todas essas recomendações ou não. Questões maiores e mais complexas interferem tremendamente, e estão relacionadas a capacidade de liderança e poder. Se quem aprovou tiver poder e liderança, pode ter certeza de que o que não foi implementado tem a ver com a infraestrutura de tecnologia. Se pouca coisa for implementada, houve mudança de planos, faltou dinheiro ou vontade política. Por isso, faça sua parte, tenha um contrato que garanta que seu trabalho será pago de forma justa e let it go…
Vender um projeto de Usabilidade significa que você vai passar pelos seguintes estágios:
- Ceticismo – se os dirigentes nunca tiverem ouvido falar do Teste, ou se houver quem se opõe a fazer os testes, prepare-se para todos tipos de questionamento. O ceticismo deles vai ajudar você a aprender a argumentar. Seja técnico sem ser acadêmico, mantenha a calma e responda tudo que puder com exemplos, fatos e números.
- Curiosidade – se o momento de mercado estiver favorável, se seus concorrentes tiverem feito, se alguém veio de outra empresa vencedora e falar dos benefícios, pode ser que seu cliente esteja curioso (e cético) sobre os Testes, mas querendo ver para crer. Essa é a sua oportunidade de vender-se como consultor! Chame todos os membros do projeto para assistir os testes. Além do mais, ajuda a divulgar o trabalho e alguns dos resultados antes mesmo da apresentação do relatório final.
- Aceitação – quando um novo dirigente chega, se vier de uma empresa onde UX é marca registrada, certamente vai pedir ou autorizar Testes que lideranças anteriores não haviam autorizado. Aceitar é o que vai restar aos detratores.
- Parceria – Se sua leitura do ambiente for correta e sua capacidade de entregar um relatório alinhado aos objetivos da empresa e do seu cliente interno acontecer, fique tranquilo que a parceria está formada e você terá um cliente para o resto de sua vida profissional.
Livros Recomendados
Usability Engineering, Jakob Nielsen
Usability Engineering Lifecycle, Deborah J. Mayhew
Handbook of Usability Testing, Jeffrey Rubin, Dana Chisnell, e outros.
Cost-Justifying Usability, Randolph G. Bias e Deborah J. Mayhew
Remote Usability Testing, Inge De Bleecker e Rebecca Okoroji